Em certo momento evidencia-se que os problemas ambientais contemporâneos são fruto de atividades humanas e têm origem social, pautadas no sistema de pensamento dominante. Assim, são criados instrumentos - as unidades de conservação - para proteger a natureza da ação humana. No Brasil, tal instrumento foi oficializado por meio do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que criou 12 categorias de UCs, divididas em dois grupos, de proteção integral e uso sustentável. A presente dissertação buscou analisar uma categoria peculiar de unidade de conservação, o Refúgio de Vida Silvestre. Esta categoria encontra-se no grupo das unidades de proteção integral da natureza (permite-se apenas uso indireto), porém pode ser composta por propriedades privadas. Desta forma, percorreu-se o histórico da criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, investigando, naquele contexto, as origens da categoria. Foi possível observar que, acidentalmente ou não, a categoria Refúgio de Vida Silvestre tem uma configuração sem precedentes, e que diante da problemática ambiental atual, que enseja uma mudança de paradigma, pode se mostrar adequada e viável. A análise da categoria levou à reflexão sobre a situação dos proprietários cujas terras são abrangidas por tal unidade de conservação, as quais enfrentam uma tensão de racionalidades – uma racionalidade ambiental é imposta sobre a racionalidade dominante, instrumental/econômica, pois as unidades de conservação trazem restrições às atividades produtivas que podem prejudicar a expectativa de ganhos econômicos crescentes. À luz das teorias contemporâneas que abordam a questão ambiental, pôde-se inferir que, de forma geral, espera-se que estas pessoas, visando compatibilizar suas necessidades com os objetivos da proteção preconizada pela unidade de conservação, tirem proveito dessa nova situação. Ou seja, lancem mão de suas capacidades para ecologizar suas atividades, porém dentro da racionalidade dominante. Teoricamente, existem alternativas a esta tendência, entretanto são mais profundas, exigindo a transformação desta racionalidade dominante, que pode ser considerada a raiz da crise ecológica dos dias de hoje. De uma análise mais ampla partiu-se para aspectos mais restritos, para a análise de um Refúgio de Vida Silvestre específico, o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas, no Paraná. Para tanto, caracterizou-se a região onde a unidade foi criada e, portanto, o contexto histórico que moldou um ecossistema ao longo do tempo de forma que atualmente merecesse (ou precisasse) ser protegido. Através de um desenho inspirado na abordagem teórico-metodológica da Teoria da Tradução, o processo de criação do RVS-CP foi descrito e analisado, demonstrando a rede sociotécnica formada simetricamente por atores humanos e não humanos durante tal processo, e buscando identificar como agem, suas demandas, seus agenciamentos e instrumentos de ação. Por último, chegou-se à vida concreta daquelas pessoas cujas propriedades estão inseridas no Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas. Neste ponto a busca centrou-se numa pesquisa que considerasse tanto elementos da racionalidade econômica quanto de racionalidades substantivas. Tendo em vista a tensão de racionalidades proveniente da criação da UC, pôde-se verificar que, apesar de geralmente relegadas a segundo plano, as esferas imateriais da vida têm papel crucial nos objetivos dos proprietários entrevistados. E que as estratégias de meios de vida dessas famílias acompanham as tendências de transformação ocorridas nas últimas décadas no mundo rural, fortemente marcadas pela combinação de rendas agrícolas e não-agrícolas.
Palavras-Chave: unidades de conservação; racionalidades