ÉRIKA FERNANDES-PINTO, 2017, SÍTIOS NATURAIS SAGRADOS DO BRASIL: INSPIRAÇÕES PARA O REENCANTAMENTO DAS ÁREAS PROTEGIDAS, Tese de Doutorado pela Universidade Federal do Rio de janeiro.
Em décadas recentes, uma nova temática vem adquirindo uma visibilidade crescente em fóruns
mundiais sobre políticas de conservação da natureza – os sítios naturais sagrados (SNS).
Reconhecidos em diversas partes do planeta, esses lugares encantados expressam valores
espirituais ancestrais e a visão de sacralidade da natureza de vários grupos sociais, sendo
considerados elos entre a diversidade biológica e cultural. O conhecimento sobre esse tema no
Brasil, entretanto, é ainda limitado e as iniciativas de salvaguarda de SNS em políticas públicas
nacionais são incipientes, especialmente considerando a expressiva riqueza natural, cultural e
religiosa do país. Também são raras as referências ao contexto brasileiro na literatura
especializada sobre o tema. Esse quadro instigou a formulação desta tese, delineada com o
objetivo de compreender como os SNS e seus valores culturais e espirituais podem contribuir
para inspirar a reconexão entre sociedade e natureza e o papel das áreas protegidas em contribuir
nessa direção. Inserida no campo das Ciências Sociais e delineada como uma pesquisa
qualitativa e exploratória, a investigação foi conduzida a partir da compilação e análise de um
vasto referencial bibliográfico - impulsionada por uma estratégia de rede colaborativa de
conhecimento - e da interpretação da percepção de interlocutores da gestão pública sobre o
tema, complementada, ainda, por observação direta em eventos acadêmicos, vivências de
campo e no exercício profissional da autora. Pautada em um referencial teórico interdisciplinar
ancorado nos pressupostos da Psicossociologia e na Ecologia Social, a tese se baseia na noção
de reencantamento do mundo para lançar um olhar sobre os SNS como elementos centrais para
a construção de um novo paradigma de conservação da natureza. Ao longo dos capítulos,
percorre-se um caminho que parte do panorama internacional de debate sobre o tema, passa por
um levantamento exploratório dos SNS no Brasil e chega até a discussão das perspectivas de
reconhecimento dessas áreas no contexto das políticas públicas nacionais e na gestão das áreas
protegidas. Os resultados revelam que a recorrência desse fenômeno no território nacional e sua
relevância social contrastam com a invisibilidade da problemática na gestão pública. Dentre as
razões para esse quadro estão a visão positivista, cientificista e fragmentada da realidade que
predomina na modernidade – que separa a razão da emoção, a cultura da natureza e a ciência
da espiritualidade – e a colonialidade do pensamento estatal. Comprometida com uma
abordagem crítica, ética e politicamente engajada, a tese busca compreender os conflitos
socioambientais nas áreas protegidas como oportunidades para a emergência de novas
estratégias de gestão criativas, integradoras e transformadoras, a partir da promoção da
espiritualidade ecológica e de uma conservação com coração. Defende-se que nos significados
ancestrais dos SNS podem estar as chaves para uma renovação de alianças que levem à
implementação de políticas capazes de inspirar a reconexão entre sociedade e natureza,
trilhando caminhos mais justos, belos e – por que não? – mais mágicos.