Os fungos endofíticos habitam de forma assintomática tecidos vegetais e interagem com
a planta, estabelecendo uma relação tradicionalmente considerada mutualística. Eles são
reconhecidos como valiosas fontes de substâncias bioativas. A espécie vegetal Myrcia
sellowiana (Myrtaceae), conhecida popularmente como “grudento” ou “cascudinho”, é
empregada para tratamento de ferimentos em animais e humanos, devido ao seu efeito
cicatrizante. Este trabalho tem como objetivo contribuir para o conhecimento da
assembléia microbiana endofítica associada a M. sellowiana e avaliar o potencial destes
microrganismos para produção de metabólitos com atividade antimicrobiana. Foram
coletadas 3 frações de caule e 3 folhas de 20 indivíduos vegetais na Estação Ecológica
Serra Geral do Tocantins, localizada na região do Jalapão.10 fragmentos por amostra
foram desinfetados superficialmente e plaqueados em BDA e YMA para o isolamento
de fungos endofíticos. Os isolados foram cultivados em meio BDA e, após 15 dias,
tratados com metanol para obtenção de extratos brutos. A atividade antimicrobiana dos
extratos brutos a 100 μg/disco foi avaliada pelo método de difusão em disco utilizando
os microrganismos alvos: Candida albicans (ATCC 18804), C. krusei (ATCC 20298),
Escherichia coli (ATCC 25922), Staphylococcus aureus (ATCC 12600) e
Cladosporium sphaerospermum (CCT 1740). A determinação de atividade antagonista
direta dos fungos foi realizada por ensaio de produção de substâncias difusíveis e
voláteis bioativas, utilizando os fitopatógenos alvos: Monilinia fructicola (mfa3635) e
Colletotrichum gloeosporioides (CG-incoper02). Foram obtidos, no total, 152 isolados
de fungos endofíticos. A frequência de colonização global neste trabalho foi de 12,7 %,
sendo 24,2 % para as amostras de caule e apenas 1,2 % para as folhas. Dos extratos
fúngicos testados, 71 (46,7%) foram ativos contra pelo menos um dos microrganismos
alvos, sendo 62 (40,8%) contra S. aureus, 20 (13,1%) contra E. coli e 11 (7,2%) ativos
simultaneamente contra estes dois microrganismos. Nenhum extrato foi ativo contra
Candida albicans, C. krusei e Cladosporium sphaerospermum. Os extratos vegetais não
apresentaram atividade contra os microrganismos alvos. Quanto à produção de
substâncias difusíveis no meio, 34 (22,4%) isolados foram ativos contra Colletotrichum
gloeosporioides e 1 (0,6%) contra Monilinia fructicola. No teste de produção de
voláteis bioativos, foram encontrados 32 (21,0%) isolados ativos contra C.
gloeosporioides e nenhum contra M. fructicola. Essa diferença pode ser justificada pela
influência da pressão evolutiva sobre o primeiro fitopatógeno, o qual ocorre com grande
frequência no Brasil, e pela ausência ou inexpressiva pressão seletiva sobre o segundo,
de ocorrência menos frequente em nosso país. Os isolados obtidos foram agrupados em
50 morfoespécies distintas. As curvas de riqueza de morfoespécies observada e
estimada indicam a grande probabilidade de que fossem encontradas mais
morfoespécies caso o esforço amostral tivesse sido maior. Uma morfoespécie,
Muscodor albus, foi abundante, tendo apresentado 54 isolados (35,5 %), sendo que 41
(75,9%) foram ativos contra pelo menos um dos microrganismos alvos testados. 6
morfoespécies apresentaram de 6 a 8 isolados, enquanto que a grande maioria
apresentou apenas 1 isolado. Isso pode ser interpretado como uma vantagem
competitiva eficiente, a qual, muito provavelmente, favoreceu o estabelecimento da
espécie como dominante nesta comunidade microbiana. A espécie vegetal selecionada
representa uma boa fonte de fungos endofíticos, pois demonstrou abrigar uma ampla
variedade de morfoespécies deste grupo de microrganismos. Além disso, os isolados
obtidos apresentaram grande potencial para produção de substâncias bioativas contra
bactérias e fungos patógenos de humanos e vegetais.