RESUMO
Com a ideia da utilização justa e sustentável da biodiversidade pelas nações, foi definida
no âmbito da ONU a soberania dos países sobre a diversidade biológica presente em seus
territórios. Outra definição se direcionou à proteção do conhecimento tradicional
associado (CTA) e à repartição dos benefícios advindos do acesso a este conhecimento.
O Brasil envidou esforços em seguir esta orientação e, após a promulgação de uma
Medida Provisória em 2001, uma nova Lei passou a disciplinar este tema a partir de 2015,
regulamentada por um Decreto em 2016. A partir desta nova legislação, a repartição de
benefícios devido ao acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade se
mostrou potencialmente favorável às comunidades tradicionais, quando comparada a
demais projetos ou políticas públicas de promoção das práticas tradicionais de
extrativismo de recursos não madeireiros. A análise da aplicabilidade de uma legislação
que visa regrar algo tão complexo é de grande relevância no período após sua
institucionalização. Assim, visando empreender esta análise com foco na repartição de
benefícios com os povos e comunidades tradicionais, este estudo caracterizou o
extrativismo de uma planta nativa do Brasil, e avaliou a aplicabilidade da Lei n
o
13.123/2015 e seu decreto de regulamentação à situação. Realizou-se caracterização do
extrativismo exercido sobre a erva-baleeira, Varronia curassavica, em três municípios do
litoral sul do Estado de Santa Catarina. Considerou-se aspectos sociais, culturais,
ecológicos e quanto a perspectiva de sustentabilidade das práticas empreendidas. Esta
caracterização serviu de base para análise da aplicabilidade da Lei n
o
13.123/2015, tendo
em vista que em decorrência do conhecimento tradicional sobre propriedade medicinal
desta planta existe geração de riqueza econômica. Esta análise considerou a referida Lei
e seu Decreto no
8.772/2016, além de normas correlatas sobre povos e comunidades
tradicionais, biodiversidade, e áreas protegidas. Por fim verificou-se a aplicabilidade da
nova legislação de acesso e repartição de benefícios sobre o extrativismo estudado. Foi
constatada existência de CTA sobre a erva baleeira nas comunidades estudadas, com forte
presença de uso medicinal para tratamento de processos inflamatórios. Foram verificados
obstáculos à aplicação plena dessa legislação, devido a falhas nos conceitos que objetivam
definir a origem do conhecimento tradicional e por falta de procedimentos específicos
que garantam às comunidades tradicionais poderem usufruir dos benefícios oriundos do
acesso ao CTA. Foi identificada falta de compreensão da legislação acerca do resultado
do efeito do CTA sobre a conservação dos recursos genéticos considerando a situação de
CTA intrínseco ao patrimônio genético, bem de uso comum do povo, segundo a Lei. Foi
entendido que a construção de um cadastro nacional de CTA, prévio às informações que
serão progressivamente inseridas no Sistema de Gestão do Patrimônio Genético e do
Conhecimento Tradicional Associado (SISGEN), contribuirá com o fortalecimento das
comunidades tradicionais. Ainda, a capacitação de servidores dos órgãos relacionados
com o tema também favorecerá o funcionamento da nova legislação. De toda forma,
concluiu-se que há possibilidade da aplicação da Lei e seu Decreto por meio de instituição
de normas infralegais que definam interpretação única para os conceitos relacionados à
origem do CTA e que estabeleçam procedimentos articulando atos do Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGEN), Programa Nacional de Repartição de Benefícios
(PNRB) e Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB) visando à garantia das
comunidades tradicionais usufruírem dos benefícios advindos do acesso ao CTA. Palavras-chave: conservação da biodiversidade, comunidades tradicionais, lei de acesso
e repartição de benefício (no
13.123/2015), erva-baleeira (Varronia curassavica),
recursos genéticos vegetais.
ABSTRACT
Addressing the nation’s fair and sustainable use of biodiversity, the sovereignty of
countries over the biological diversity present in their territories was defined at the UN
level. Additionally, one other definition targeted the protection of traditional knowledge
associated with genetic resources (TK) and the fair and equitable sharing of benefits
arising from the utilization of such knowledge. Brazil has made efforts to follow this
guidance and, after the promulgation of a Provisory Act in 2001, a new Law on this issue
was enacted in 2015 and regulated by a Decree in 2016. With this new legislation, the
sharing of benefits arising from the access to traditional knowledge associated with
biodiversity has shown to be potentially valuable to local communities, when compared
to other projects or public policies to promote traditional practices of extractivism of nontimber forest products. Analysing the applicability of legislation that aims to rule
something so complex is of great relevance in the period following its institutionalization.
Thus, in order to undertake this analysis with a focus on sharing benefits with indigenous
and local communities, this study characterized the extractivism of a plant native to
Brazil, assessed the applicability of Law n
o
13.123/2015 and its regulatory decree to the
situation. The extractivism of erva-baleeira, Varronia curassavica, carried out in three
municipalities on the southern coast of the State of Santa Catarina, was characterized.
Social, cultural, ecological aspects, as well as the sustainability of the applied practices
were considered. This characterization served as the basis for an analysis of the
applicability of Law n
o
13.123/2015, considering that economic wealth is created from
the traditional knowledge about medicinal properties of this plant. This analysis
considered the aforementioned Law and its Decree n
o
8.772/2016, in addition to related
norms on indigenous and local communities, biodiversity, and protected areas. Finally,
the applicability of the new legislation on access and benefit sharing on the studied
extractivism was verified. TK on erva-baleeira was found to exist in the studied
communities, with a strong presence of medicinal use for treatment of inflammatory
processes. There were obstacles to the full application of this legislation, due to flaws in
the concepts that aim to define the origin of traditional knowledge and due to the lack of
specific procedures that guarantee local communities the enjoyment of benefits arising
from the access to TK. A lack of understanding of the legislation was identified regarding
the result of the TK's effect on the conservation of genetic resources considering the
situation of TK intrinsic to genetic heritage. It was understood that the creation of a
national TK registry, preceding the information that will be progressively submitted to
the National System of Benefit Sharing (NSBS), will contribute to the strengthening of
local communities. Furthermore, training civil servants in agencies related to the theme
will also favor the effectiveness of the new legislation. Nevertheless, it was concluded
that it is possible to apply the Law and its Decree through the institution of rules below
the decree that define a single interpretation for the concepts related to the origin of TK
and that establish procedures articulating acts of the Genetic Heritage Administration
Council (GHAC), National Program of Benefit Sharing (NPBS) and National Fund of
Benefit Sharing (NFBS) aimed at ensuring that local communities enjoy the benefits
arising from the utilization of TK.
Keywords: biodiversity conservation, local communities, access and benefit sharing law
(no
13.123/2015), erva-baleeira (Varronia curassavica), plant genetic resources.
|