PREFÁCIO Não fosse pela indignação de alguns cientistas, a Baía do Araçá – esse local
peculiar, inseparável da fisionomia do Canal de São Sebastião – teria desaparecido
há décadas, levando consigo infindáveis formas de vida e oportunidades de
conhecimento singulares.
Ao longo dos últimos 30 anos, a comunidade acadêmica – representada por
professores e estudantes de diversas universidades – arregaçou as mangas para
proteger a baía do destino considerado inevitável por muitos: o aterro total ou
parcial que a eliminaria da paisagem ou a descaracterizaria por completo. A morte
anunciada foi evitada mais de uma vez, embora atualmente a sua sombra funesta
tenha voltado a pairar sobre a baía.
A defesa do Araçá não é tarefa fácil. À primeira vista o lugar não impressiona pela
beleza. Suas areias e águas escuras contrastam com as belíssimas praias vizinhas.
De fato, a Baía do Araçá pertence a um dos mais belos litorais do planeta, o Litoral
Norte de São Paulo, onde as encostas da exuberante Serra do Mar mergulham
quase que diretamente no oceano, definindo uma linha de costa recortada e pontuada
por praias dos mais variados tipos e tamanhos.
Não é, portanto, unicamente por seus atributos estéticos que se levantam armas
em sua defesa. Sua beleza e vigor escondem-se sob as águas rasas e calmas e
em meio às areias finas de seu leito. A elevada diversidade biológica do local foi
detectada já pelos primeiros naturalistas que visitaram o Litoral Norte do estado.
Por conseguinte, foi essencialmente o conhecimento a respeito da biota da Baía
do Araçá que se empregou como veemente argumento para a sua preservação. Com a ciência acumulada de décadas, hoje se sabe que a baía é um hot spot de
biodiversidade e um formidável berçário de vida, fundamental para a sustentabilidade
das famílias caiçaras que ali vivem e para a manutenção de sua identidade
cultural. Mas, como conhecimento gera conhecimento, tais peculiaridades motivam
justamente novas pesquisas, que não somente confirmam o que se sabia,
mas sobretudo trazem novos e sólidos argumentos a favor da preservação da baía.
Com esse intuito foi concebido o Projeto Biota/Fapesp-Araçá. Não há nada parecido
feito no Brasil e estudos desse tipo são raros no mundo. Integrando dados de
processos físico-químicos, biológicos e socioeconômicos que possibilitarão compreender
a fundo a dinâmica da baía, o projeto terá como um dos seus resultados
principais a caracterização quantitativa dos serviços ambientais prestados por um
ambiente modelo.
Uma amostra desses resultados está aqui publicada. Em linguagem acessível, a
obra – um esforço coletivo de mais de 170 pesquisadores –, além de compilar um
cabedal considerável de conhecimento científico inédito, cumpre também o papel
de divulgar ciência, educar, formar opinião. Deverá não apenas subsidiar aqueles
que tomam decisões por força de ofício, mas igualmente o cidadão e todos que
anseiam por conhecer mais sobre uma região fascinante do nosso litoral. Alvaro Esteves Migotto - Centro de Biologia Marinha, Universidade de São Paulo - USP
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