Um passeio pelo Jardim Botânico pode ser muitos. A pessoa consigo mesma,
abrigada das arestas e tensões do cotidiano; com amigos, com a família, sob o
afeto das árvores. Pode ser uma caminhada para acordar o corpo sedentário, ver
e ouvir crianças e passarinhos, nutrir-se da força majestosa da mata. Pode ser um
tempo para emocionar-se, refletir, fora do ritmo e formalidades do meio urbano e
das convenções profissionais e sociais. Para aprender, descobrir, observar, mostrar,
embevecer-se, deixar-se envolver por um museu vivo, ser seu elo contemporâneo.
Para sentir-se parte de uma história de 200 anos que diz tanto sobre o Brasil.
Não é só refúgio, contemplação, cultura e conhecimento a dádiva do Jardim
Botânico. Ele é um lugar, principalmente, de procurar respostas para nossos
dilemas de hoje, por meio do despertar da sensibilidade para valores humanos,
espirituais e ambientais e para prazeres e sensações profundos, não-consumistas e
não-imediatistas. Nem sempre no nível do consciente ou das palavras, os sentidos
captam uma educação sutil que fica plantada na alma como um jequitibá frondoso,
cuja sombra e frutos aparecem, ao longo da vida, nas escolhas, no sentido do olhar,
nas emoções individuais e coletivas, nas prioridades, na generosidade, no respeito
às diferenças, na solidariedade, na negação da truculência, do egoísmo e do valetudo
como leis de sobrevivência na sociedade.
Este é também um jardim de mentes e, talvez, ao incluírem o Jardim
Botânico entre suas 7 maravilhas, os cariocas estivessem de certa forma expressando
a compreensão de que ele é um forte símbolo de algo que não querem destruir
dentro de si mesmos, apesar das pressões, do medo, dos conflitos.
Os 200 anos desse multi-jardim são inclusivos e plenos de diversidade
biológica e humana. Creio que não devemos vê-los de maneira estanque, embora
a linha temporal seja importante para entendermos sua progressiva adaptação aos
desafios das diferentes épocas, sua construção institucional e social. Criado por
d. João em 1808, como Jardim da Aclimação, para preservar as especiarias vindas
das Índias Orientais, o foi também, ao lado dessa função utilitária, porque o
então príncipe regente extasiou-se diante da natureza e quis protegê-la. Já estava
aí presente o tema basilar recorrente da vida brasileira: como nos desenvolvermos
sem destruir algo que é central em nossa identidade, ou seja, a privilegiada
natureza presente no território onde nos constituímos como nação?
Em nossos dias, com maior complexidade social, cultural e política, temos
que lidar com esse imperativo de maturidade nacional, o ponto de inflexão que
nos levará (ou não) ao crescimento com a qualidade ambiental que está posta
como inalienável desde que, ao sabor da geopolítica de cinco séculos atrás, aqui
começou uma história que herdamos e da qual somos os atuais construtores.
O Jardim Botânico é um microcosmo das potencialidades virtuosas dessa
história, um sinalizador de que um futuro melhor depende da integração entre
desenvolvimento humano, espiritual, social e econômico, o que supõe bases culturais,
educacionais, estrutura científica e tecnológica e uso inteligente dos recursos naturais.
Desde sua criação, o maior objetivo do Jardim Botânico – uma autarquia ligada
ao Ministério do Meio Ambiente – é a pesquisa para a conservação da biodiversidade
e preservação do meio ambiente. Hoje, com acervo de valor incalculável, desenvolve
ações de natureza científica, educacional, ambiental, cultural e social. Tombado como
Monumento Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
definido pela Unesco como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, passou por grandes
transformações no decorrer de dois séculos e afirmou-se como referência nacional e
internacional em jardins botânicos.
As diferentes administrações do passado, em conjunto com a participação
consciente e ativa da sociedade civil do Rio de Janeiro, entregaram a esta gestão
um acúmulo de realizações, de formas de interagir com a cidade. Nós estamos,
portanto, agregando nossa contribuição por meio de uma política destinada a
aprofundar essa interação e a expandir as atividades do Jardim Botânico de forma
integrada e multidimensional.
Programas e projetos de pesquisas científicas na Mata Atlântica, Zona
Costeira, Conservação e Taxonomia integram a área científica. O projeto de
informatização do Herbário tornou disponível na Internet seu acervo. A área
de ensino consolidou-se na Escola Nacional de Botânica Tropical, instalada no
Solar da Imperatriz, com a introdução dos cursos de mestrado e doutorado em
Botânica Tropical, além dos cursos de extensão em gestão ambiental. Outro
destaque é o acervo da Biblioteca Barbosa Rodrigues, uma das mais completas do
País na área de Botânica. A pesquisa está presente ainda no Programa de Apoio
Institucional de Desenvolvimento dos Jardins Botânicos Brasileiros e no Banco
de DNA de Espécies da Flora Brasileira.
Ainda em 2008, será implantado o Centro de Conservação da Flora, para ser
referência nacional de dados sobre a flora brasileira, além de subsidiar o Ministério
do Meio Ambiente na elaboração da Política Nacional de Biodiversidade e de
acesso a recursos genéticos. Os visitantes ganharão, também, o Museu do Meio
Ambiente. Interativo e sensorial, mostrará o meio ambiente como um processo
dinâmico e retratará a relação do homem com a natureza.
Na área social, são promovidos cursos de jardinagem e inclusão social
para jovens oriundos de comunidades populares. Eles têm nas aléias, canteiros,
recantos naturais e no Caminho da Mata Atlântica, uma fonte inesgotável
de trabalho e aprendizado. E, nos últimos anos, o Jardim Botânico passou a
desenvolver também atividades na área cultural com a inauguração do Espaço
Tom Jobim
– Cultura e Meio Ambiente.
Como se vê, uma trajetória tão rica e tão cheia de possibilidades merece uma
grande comemoração, ela mesma planejada de forma a refletir os valores que se deseja
que o Jardim Botânico expresse. Para isso foi instalado, em setembro de 2007, o
Conselho dos 200 anos do Jardim Botânico, grupo formado por autoridades, cientistas,
empresários e artistas. Da junção de visões e abordagens, surgiu a programação agora
aberta ao Rio de Janeiro, ao Brasil e a quem mais queira compartilhar esse momento
que é memória, futuro, ação e encantamento. O mesmo encantamento que Einstein
manifestou ao andar por essas trilhas em 1925 e que esperamos possa continuar a
iluminar e inspirar os sonhos e vidas de crianças e adultos que por aqui passam. Senadora Marina Silva - Ministra do Meio Ambiente - jan 2003 / maio 2008
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