RESUMO Nas últimas décadas, as contribuições da área de estudo dos recursos de uso comum foram importantes para avançar no entendimento de como realizar a gestão desses recursos naturais sem levar ao seu esgotamento. A fauna silvestre, sob a ótica dos recursos de uso comum, deve ter seu uso regulado por algum regime de propriedade e por instituições adequadas a realidade local para que a gestão possa ter sucesso no que se refere a aliar a necessidade de conservação das espécies com as necessidades dos usuários locais do recurso. No entanto, a caça, no Brasil, ainda é um tema controverso juridicamente, o que dificulta a implementação de medidas de manejo oficialmente reconhecidas e fragiliza a gestão do recurso. Nesse sentido, esta pesquisa analisou a gestão dos quelônios aquáticos na bacia do rio Unini com o objetivo de entender como instituições formais e informais afetam o uso e a conservação dos quelônios aquáticos. Foram levantadas e classificadas as instituições formais e informais estabelecidas para a gestão dos quelônios na bacia do Unini, e realizada análise de consenso, baseada em entrevistas estruturadas, que constatou que a maioria das instituições são conhecidas e compartilhadas pelos usuários do recurso, mas que algumas das regras constitucionais não têm aderência ao contexto local, o que dificulta a gestão sustentável do recurso. No que se refere ao consumo de quelônios para subsistência feito pelas dez comunidades ribeirinhas do Unini, foram analisados os dados de oito anos de monitoramento para quatro espécies mais consumidas (a tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa, o tracajá Podocnemis unifilis, a irapuca Podocnemis erythrocephala e o cabeçudo Peltocephalus dumerilianus). Constatou-se que a quantidade de quelônios capturados por família no rio Unini não apresentou diferenças significativas ao longo do tempo, e não apresentam uma tendência nem de aumento nem de diminuição do consumo; e que a composição espacial das capturas nas comunidades e no uso de habitats manteve um padrão consolidado ao longo do tempo. A análise das regras formais e informais existentes para a gestão dos quelônios no Unini, e dos padrões de captura de quelônios pelas comunidades demonstram que não existem regras ligadas diretamente ao consumo de quelônios. Os padrões de captura observados deveriam subsidiar adaptações às regras operacionais e de escolha coletiva, adaptadas a realidade local, o que não vem ocorrendo. Esse diagnóstico geral das instituições e dos padrões de captura contribuem para o entendimento da gestão dos quelônios aquáticos no rio Unini e são informações básicas para o delineamento de estratégias de gestão e medidas de manejo que visem à sustentabilidade social, econômica e ambiental. Conclui-se que, apesar de ainda serem necessários avanços relacionados a alguns aspectos, de forma geral, os mecanismos de gestão presentes na RESEX do Unini vão ao encontro dos princípios desejados (design principles) para a governança dos recursos de uso comum e, portanto, são promissores para a manutenção de instituições robustas para a gestão dos recursos naturais da área. Palavras-chave: recursos de uso comum, co-gestão, instituições formais e informais, manejo de caça, quelônios.
ABSTRACT In the last few decades, the contributions of common pool resources (CPR) researches were important to the understanding how to accomplish the common management of natural resources without overexploitation. Formal and informal institutions play a key role in resource management, assuring the essential conditions for rules compliance, and working as effective regulators of resources use. Subsistence hunting, notably of aquatic chelonians, is a typical activity in Brazilian protected areas, as the reserve of sustainable use of Unini River, in the Amazonas State. Nevertheless, as usual for all CPR, chelonian subsistence hunting must be regulated in order to reconcile conservation and use. On the other hand, hunting in Brazil is still a controversial issue, from the legal perspective. This can dramatically hamper any management measure, so consequently wildlife hunting will be prone to the open access. In this study, we analyzed institutions established in the Unini River Basin for chelonian management, which operate, formally and informally, through three different levels: operational, collective choice and constitutional. We found no adherence for national rules in local scale, which can be detrimental to the sustainable use of chelonians. We also analyzed eight years long monitoring data for the four most commonly used chelonian species (Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis, Podocnemis erythrocephala e Peltocephalus dumerilianus) by ten Unini riverine communities. We found no significant variation in chelonian use through the years. Results show which chelonian species are most hunted, which habitats are most exploited and in what time of the year chelonians are most consumed. These are basic information for efficient decision making in management strategies. Some hunting patterns we have found indicate the need for management rules appropriate to the local context that actually does not exist today. Despite the need for improvements in some aspects, we conclude that current governance system for chelonian species corroborates design principles and therefore can maintain robust institutions for Unini River natural resource management.
Keywords: comanagement, common pool resources, formal and informal institutions, wildlife management, chelonian. |