Em décadas recentes, uma nova temática vem adquirindo uma visibilidade crescente em fóruns mundiais sobre políticas de conservação da natureza – os sítios naturais sagrados (SNS). Reconhecidos em diversas partes do planeta, esses lugares encantados expressam valores espirituais ancestrais e a visão de sacralidade da natureza de vários grupos sociais, sendo considerados elos entre a diversidade biológica e cultural. O conhecimento sobre esse tema no Brasil, entretanto, é ainda limitado e as iniciativas de salvaguarda de SNS em políticas públicas nacionais são incipientes, especialmente considerando a expressiva riqueza natural, cultural e religiosa do país. Também são raras as referências ao contexto brasileiro na literatura especializada sobre o tema. Esse quadro instigou a formulação desta tese, delineada com o objetivo de compreender como os SNS e seus valores culturais e espirituais podem contribuir para inspirar a reconexão entre sociedade e natureza e o papel das áreas protegidas em contribuir nessa direção. Inserida no campo das Ciências Sociais e delineada como uma pesquisa qualitativa e exploratória, a investigação foi conduzida a partir da compilação e análise de um vasto referencial bibliográfico - impulsionada por uma estratégia de rede colaborativa de conhecimento - e da interpretação da percepção de interlocutores da gestão pública sobre o tema, complementada, ainda, por observação direta em eventos acadêmicos, vivências de campo e no exercício profissional da autora. Pautada em um referencial teórico interdisciplinar ancorado nos pressupostos da Psicossociologia e na Ecologia Social, a tese se baseia na noção de reencantamento do mundo para lançar um olhar sobre os SNS como elementos centrais para a construção de um novo paradigma de conservação da natureza. Ao longo dos capítulos, percorre-se um caminho que parte do panorama internacional de debate sobre o tema, passa por um levantamento exploratório dos SNS no Brasil e chega até a discussão das perspectivas de reconhecimento dessas áreas no contexto das políticas públicas nacionais e na gestão das áreas protegidas. Os resultados revelam que a recorrência desse fenômeno no território nacional e sua relevância social contrastam com a invisibilidade da problemática na gestão pública. Dentre as razões para esse quadro estão a visão positivista, cientificista e fragmentada da realidade que predomina na modernidade – que separa a razão da emoção, a cultura da natureza e a ciência da espiritualidade – e a colonialidade do pensamento estatal. Comprometida com uma abordagem crítica, ética e politicamente engajada, a tese busca compreender os conflitos socioambientais nas áreas protegidas como oportunidades para a emergência de novas estratégias de gestão criativas, integradoras e transformadoras, a partir da promoção da espiritualidade ecológica e de uma conservação com coração. Defende-se que nos significados ancestrais dos SNS podem estar as chaves para uma renovação de alianças que levem à implementação de políticas capazes de inspirar a reconexão entre sociedade e natureza, trilhando caminhos mais justos, belos e – por que não? – mais mágicos.
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