INTRODUÇÃO
A evolução histórica da utilização dos recursos pesqueiros, em todo o mundo, mostra que a tendência inevitável é atingir-se um estágio de sobreexplotação biológica e, consequentemente, econômica das populações que os constituem. A tentativa de minimizar a intensidade da ação predatória da pesca e da competição entre unidades da frota, através da ampliação da área explorável, determina um aumento da biomassa potencial capturável, mas ao mesmo tempo, acarreta um aumento dos custos operacionais em função das grandes distâncias a serem cobertas por barcos cada vez maiores e com maior poder de captura (Fonteles-Filho, 1994). A regulamentação da pesca procura sanar partes dos males trazidos pela sobrexplotação, mas o inchamento do setor pesqueiro determinado pela necessidade de crescimento econômico, e a dificuldade de se controlar o acesso de novos participantes (estimulado pelas perspectivas iniciais de lucros crescentes) praticamente anulam as medidas aplicadas, de modo que somente com os subsídios governamentais (uma prática necessária, em se tratando de uma atividade extrativa de alto risco), a indústria consegue manter sua estab ilidade operacional (Castro e Silva & Cavalcante, 1994). Desse modo, o sucesso do gerenciamento pesqueiro tem, no mínimo, duas condicionantes: (1) as medidas regulatórias devem gerar resultados proporcionais aos esforços despendidos em sua implementação e (2) o segmento econômico ao qual esta ação se destina, no caso, o setor pesqueiro representado por pescadores, armadores de pesca, agentes de comercialização e empresários das indústrias pesqueiras, deve cumprir sua parte no sentido de dar todo apoio necessário para seu sucesso. Para que essas condicionantes sejam efetivadas, estas dependem do conhecimento científico das variações anuais na biomassa e estrutura etária do estoque capturável, principalmente aquelas determinadas pela predação exógena exercida pelo esforço de pesca (Fonteles-Filho, 1992), isto quer dizer que, as informações coletadas sobre os processos de produção biológica e sustentabilidade do sistema econômico têm indicado a ocorrência de sucessivos estados de sobrepesca das populações, diagnosticados através da redução no peso médio individual e no índice de produtividade, juntamente com uma tendência constante de crescimento do esforço de pesca (Ivo & Pereira, 1996). Para melhor compreender as causas e consequências que podem levar um recurso pesqueiro a um estado de sobrepesca, a série histórica da produção de lagosta no Brasil no período de 1955 a 2009 mostra a ocorrência de quatro ciclos de produção, com picos em 1962, 1979, 1991 e 2004, portanto com um intervalo médio de 15 anos. Estes ciclos aparentemente refletem a expansão geográfica da pesca, no sentido de que a depleção verificada após os picos de produção exigia modificações na estrutura e tamanho das embarcações para que a frota pudesse alcançar áreas cada vez mais distantes dos portos-bases, envolvendo os Estados do Maranhão, Pará e Bahia. No entanto, esta expansão da área de pesca ocorreu até 1991, pois os elevados custos de armação das embarcações motorizadas, associados aos baixos rendimentos das pescarias contribuíram, nos anos subsequentes (4º. ciclo), para a desativação de grande parte da frota motorizada e sua gradativa substituição por embarcações movidas a remo e a vela, processo esse que ficou conhecido como “re-artesanalização”. Com essas evidências de oscilação na produção, as medidas de regulamentação das pescarias ganharam maior abrangência e frequência de implementação, tendo como metas principais proteger os estoques jovem (com o estabelecimento do tamanho mínimo de captura, por espécie) e reprodutor (com a sinopse de informações biológicas –– proibição da captura de fêmeas ovígeras). A estas, deve-se acrescentar a mais importante medida de ordenamento, o defeso (paralisação total da pesca em determinada época do ano). Estabelecido desde 1975 (portaria Nº. 118 de 6 de março de 1974), o defeso atualmente abrange o período de 1º. de dezembro a 31 de maio, tendo como objetivos principais reduzir a mortalidade do estoque e proteger o estoque reprodutor em sua fase principal de desova, durante o primeiro semestre do ano. Desse modo, a consecução da sustentabilidade do sistema “pesca de lagostas” depende de dois aspectos básicos: (1) estimativas dos valores ótimos da produção, produtividade e fator predatório (esforço de pesca) que definem o ponto de equilíbrio biológico das espécies e (2) definição das medidas de controle da pesca, através de cuja aplicação esses parâmetros permaneçam relativamente inalterados. No entanto, os valores ótimos de produção (9.470 t), esforço de pesca (29 milhões de covos-dia) e índice de captura (300 g/ covo-dia), que atualmente são utilizados como pontos de referência para o ordenamento da pesca da lagosta, correspondem à série histórica de 1965 a 1994 (Paiva, 1997), ou seja, com um atraso de 15 anos. Essa lacuna, consequentemente acarreta incertezas no sucesso da aplicação das atuais medidas de regulamentação, mostrando a ocorrência de alguns equívocos em sua concepção, principalmente aquele de não considerar as modificações estruturais das pescarias (poder de pesca dos diferentes aparelhos-de-pesca - covo, rede-de-espera e prática do mergulho) e os aspectos espaço- temporais da implementação das medidas para que se possam tentar novas alternativas de regulamentação da pesca. Além disso, existe uma idéia implícita de que a produção deve aumentar ou, no mínimo, manter-se estável, quando está claro que não se pode obter em seis meses uma produção que era gerada num período de 12 meses. O defeso, antes de qualquer coisa, significa implantar um processo de “poupança” de biomassa formada por indivíduos de maior porte e que sofreu menos mortalidade por pesca. Nesse contexto, o presente material de investigação avalia as informações da pesca de lagosta no Nordeste do Brasil sob o enfoque biológico (Capítulo I), pesqueiro (Capítulo II), econômico (Capítulo III) e administrativo (Capítulo IV), elucidando as falhas na legislação, em especial, na aplicação do defeso (Capítulo V) e sugerindo alternativas para um novo modelo de gestão (Capítulo VI).
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