Midiateca

Plantas pequenas do cerrado : biodiversidade negligenciada

Autores

Secretaria do Meio

Ambiente do Estado de São Paulo ; Autores: GISELDA DURIGAN

Engenheira florestal, doutora em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas -

UNICAMP, pesquisadora científica do Instituto Florestal do Estado de São Paulo.

NATASHI A. L. PILON

Bióloga, doutoranda em Ecologia pela UNICAMP.

GEISSIANNY B. ASSIS

Bióloga, doutora em Botânica pela Escola Nacional de Botânica Tropical,

do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

FLAVIANA M. SOUZA

Engenheira florestal, doutora em Biologia Vegetal pela UNICAMP, ocupa o cargo de analista

técnico-científico do Ministério Público do Estado de São Paulo.

JOÃO B. BAITELLO

Graduado em História Natural, doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade

de São Paulo - USP, pesquisador científico do Instituto Floresta do Estado de São Paulo

Ano de Publicação
2018
Categoria
PESQUISA AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DA BIODIVERSIDADE
Descrição

PREFÁCIO 

Em todo o mundo, as florestas tropicais despertaram a atenção de cientistas, conservacionistas e da sociedade como um todo muito antes das savanas e de outros tipos de vegetação não florestal. Assim, os movimentos em busca da conservação começaram pelas florestas. Uma das explicações plausíveis para este viés está no fato de que, em todo o mundo, terras florestais foram as primeiras a serem convertidas para a agricultura, enquanto campos e savanas continuavam sendo utilizados para pastoreio e extrativismo, uma vez que os solos com restrições e a longa estação seca colocavam essas terras na condição de marginais para o cultivo. Na savana brasileira – o Cerrado –, as barreiras tecnológicas foram vencidas nas últimas décadas, levando a taxas alarmantes de conversão (Sano et al. 2009, Strassburg et al. 2017) e igualmente alarmantes perdas de biodiversidade que colocaram o bioma entre os hotspots globais para a conservação da natureza (Myers et al. 2000). Além de não serem valorizados, os ecossistemas não florestais são geralmente mal compreendidos em sua forma e funcionamento e, até hoje, há quem acredite que savanas e campos tropicais são resultado da ação humana queimando florestas. No entanto, a ciência já demonstrou que esses ecossistemas são não só adaptados, mas dependentes do fogo e que já existiam há cerca de dez milhões de anos, quando surgiram no planeta as gramíneas C4. Muito antes, portanto, que o homem começasse a queimar florestas (Simon et al. 2009, Simon & Pennington 2012). Felizmente, ainda que aos poucos, as savanas e campos tropicais vêm ganhando reconhecimento em escala global, à medida que são conhecidos e compreendidos (Parr et al. 2014, Veldman et al. 2015). É sabido que as pessoas em geral só valorizam aquilo que conhecem – e foram os estudos ecológicos e os inventários de biodiversidade que trouxeram dignidade às savanas. Todavia, o olhar dos cientistas e conservacionistas não tem sido enviesado somente na escala de biomas, mas também quanto ao porte dos seres vivos dentro da biota que os compõe. Entre os animais ou entre as plantas, os maiores sempre receberam maior atenção e são, portanto, mais conhecidos, mesmo sendo minoria. No Cerrado como um todo, entre as espécies já conhecidas de plantas, apenas uma em cada seis tem porte arbóreo (Mendonça et al. 2008). As outras cinco espécies são ervas, gramíneas, arbustos, subarbustos e outras plantas pequenas, que são praticamente desconhecidas, uma vez que muito raramente são incluídas nos estudos que caracterizam as comunidades vegetais. Entre 237 levantamentos fitossociológicos compilados por Walter et al. (2015), apenas 9% trataram de fisionomias campestres (veredas, campos sujos, campos limpos úmidos ou campos rupestres), e a grande maioria tratou de fisionomias savânicas (47%) ou florestais (44%). Mesmo nos estudos que tratam de fisionomias campestres, muitos amostraram apenas plantas lenhosas. Nas coleções botânicas, o número de coletas para cada espécie arbórea é em geral superior ao número de coletas para espécies herbáceas ou arbustivas, mesmo em se tratando das mais comuns, evidenciando que a representatividade é diferente entre as formas de vida. Muitas espécies de plantas pequenas estão nas coleções representadas apenas por coletas do século passado, indicando que, nos tempos atuais, os estudiosos de plantas estão deixando de olhar para o chão. Esta obra traz imagens e descrições botânicas simplificadas de plantas pequenas do Cerrado. Nosso objetivo maior foi dar visibilidade a esta biodiversidade negligenciada e, especialmente, tornar possível a identificação dessas plantas em campo, fora de seus períodos reprodutivos, que é essencial para estudos ecológicos e para ações de manejo conservacionista. Consideramos "pequenas", na preparação desta obra, as espécies que podem atingir o estágio de adulto reprodutivo com altura inferior a 2 m, de modo que foram incluídas ervas (graminoides e não graminoides), subarbustos, arbustos, trepadeiras, palmeiras e até espécies que apresentam hábito variável, podendo ser desde subarbustos até árvores, como Licania humilis, Eugenia dysentherica e Eugenia suberosa, entre outras. Para cada espécie, procuramos apresentar, além da sua identificação atual, uma breve descrição, os ambientes em que ocorre, as denominações latinas mais conhecidas que a espécie já recebeu (sinônimos) e seus nomes populares. O desconhecimento das plantas pequenas fica evidente quando, para a maioria das espécies, não conseguimos obter nem ao menos um nome popular ou quando verificamos, em muitos casos, que diversas espécies do mesmo gênero recebem a mesma denominação, numa clara indicação de que as pessoas não percebem as diferenças entre elas. Há, porém, duas circunstâncias em que uma dessas espécies de plantas pequenas pode receber diversas denominações populares: quando a planta tem uso conhecido (medicinal ou alimentício) ou quando ocorre também em áreas cultivadas ou pastagens, sendo tratada como planta daninha. As espécies que compõem este livro, com raras exceções, foram fotografadas no estado de São Paulo, embora, em sua grande maioria, ocorram em outras regiões do Brasil. Muitas dessas espécies não tinham registros em coleções nas últimas décadas e algumas estão incluídas na categoria de presumivelmente extintas no estado de São Paulo (e.g., Byttneria oblongata). Outras espécies aqui apresentadas nem sequer haviam sido registradas no Estado (e.g., Medusantha molissima, Piriqueta viscosa). Em sua grande maioria, as imagens foram obtidas em três unidades de conservação – Parque Estadual do Juquery e Estações Ecológicas de Itirapina e Santa Bárbara –, as únicas que ainda preservam amostras significativas e bem conservadas de fisionomias campestres do Cerrado no Estado de São Paulo. No entanto, essas preciosidades – fisionomias campestres e plantas pequenas do Cerrado – encontram-se seriamente ameaçadas por dois fatores causadores de perda de diversidade em savanas: a política de supressão do fogo e as invasões biológicas. Savanas são ecossistemas mantidos pelo fogo e muitas das espécies apresentadas nesta obra foram observadas com flores ou frutos exclusivamente em áreas queimadas (e.g. Arthropogon villosus, Bulbostylis paradoxa, Eryochrisis holcoides, Paspalum carinatum, Paspalum pectinatum, Pfaffia jubata, Sporobolus cubensis), além de que a maioria das espécies tem os processos reprodutivos intensificados pelo fogo. Sem a passagem do fogo, espécies arbóreas do Cerrado crescem e se adensam e espécies florestais da vizinhança colonizam rapidamente as fisionomias abertas, com frequência transformando campos e savanas em florestas (Durigan e Ratter 2006), processo que vem sendo observado em diferentes regiões do mundo (Stevens et al. 2016). Com essa transformação, todas as plantas pequenas que dependem de luz solar direta (mais de 95% das espécies apresentadas nesta obra) desaparecem do ecossistema, o que significa extinção local de boa parte da flora endêmica do Cerrado. Esse processo geralmente só é percebido quando a espécie desaparecida faz parte da cultura regional, como é o caso da gabiroba (Campomanesia adamantium), que não sobrevive quando o cerrado aberto e ensolarado se transforma no denso cerradão e, outrora muito comum, já se tornou espécie rara em SP. No sub-bosque do cerradão, as únicas plantas pequenas existentes são indivíduos jovens das espécies arbóreas e raras espécies herbáceas típicas de ambientes florestais, como Coccocypselum lanceolatum, Panicum sellowii, Rhynchospora exaltata, Voyria aphylla. A segunda grande ameaça às plantas pequenas do Cerrado vem de outras regiões do planeta. São plantas exóticas invasoras, especialmente do gênero Pinus, e gramíneas africanas. Em decorrência do sombreamento e da deposição de espessa camada de acículas, as árvores de Pinus podem transformar radicalmente o habitat, levando à extinção todas as plantas nativas pequenas (Abreu e Durigan 2011). As gramíneas africanas, de diversos gêneros e espécies (Pivello e Mattos 2009), podem dominar completamente o estrato herbáceo da vegetação do Cerrado, eliminando as plantas nativas pela competição. A dimensão do impacto da supressão do fogo e das invasões biológicas sobre a diversidade do Cerrado tem sido objeto de raros estudos e, para que possa ser avaliada, depende da identificação das espécies perdidas, em sua maioria plantas pequenas dos campos e savanas. Adicionalmente, qualquer ação de manejo visando reverter os processos de degradação do Cerrado, como a erradicação ou pelo menos o controle das gramíneas invasoras e a restauração da vegetação nativa, depende, sobretudo, da identificação das espécies que compõem o estrato herbáceo-arbustivo. Pesquisas visando à utilização dessas plantas com fins medicinais, alimentícios ou ornamentais também dependem da sua correta identificação em campo. Ao compartilhar com o leitor o conhecimento adquirido durante anos de pesquisas e coletas botânicas em fisionomias abertas de Cerrado, esperamos contribuir para intensificar as pesquisas e as ações visando à conservação e restauração desses ecossistemas tão preciosos, raros e ameaçados, com toda a sua peculiar biodiversidade. Mas esperamos também que a obra desperte a atenção do leitor leigo, que terá a oportunidade de conhecer um pouco da beleza escondida na paisagem árida e aparentemente inóspita das fisionomias abertas do Cerrado e, assim, reconhecer o seu valor e a importância de sua conservação.

Os autores


Tipo de publicação
Livro
Local da publicação
São Paulo - SP
Nº da edição ou volume
Editora
secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo - SMA-SP
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