m 2003, o Ministério do Meio Ambiente lançou um edital para viabilizar a elaboração de Planos de Ação (PAN) para espécies ameaçadas da fauna brasileira, um dos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica. Morando e estudando a biodiversidade no sul da Bahia desde 1997, recém contratada como professora adjunta pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), entendi que a instituição já tinha no seu quadro técnico pesquisadores competentes e comprometidos capazes de contribuir para a elaboração do PAN para uma das muitas espécies animais ameaçadas nesta região tão rica em biodiversidade. O ouriço-preto chamava a atenção entre as várias espécies da lista da fauna ameaçada por se tratar de um representante endêmico da Mata Atlântica, cujos estudos anteriores apontavam a região cacaueira do sul da Bahia como detentora de uma das principais populações remanescentes. No entanto, era evidente a escassez e a baixa qualidade das informações biológicas disponíveis para a espécie. A literatura científica sobre o ouriço-preto resumia-se a menos de uma dezena de trabalhos, entre notas e artigos. O desafio era, em apenas dois anos, desvendar os aspectos básicos da biologia da espécie e efetivamente avaliar seu status de conservação e, por fim propor um plano de ação para a conservação do ouriço-preto. A pós a obtenção dos recursos por meio do edital FNMA/PROBIO 01/2003, entre 2004 e 2006, coordenei uma equipe multidisciplinar que iniciou o trabalho intensivo de obter informações sobre a história natural, ecologia, distribuição, comportamento e genética do ouriço-preto. A proposta foi liderada por intermédio da parceria entre o Instituto Dríades de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade e a Universidade Estadual de Santa Cruz e incluiu também pesquisadores e estudantes de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Universidade Federal do Espírito Santo. A s dificuldades do projeto começaram pela própria detecção da espécie in situ. Este obstáculo só foi superado com a inclusão, na equipe técnica, do Sr. Antonio Oliveira de Jesus, o Seu Toninho, ex-caçador que, com precisão, não apenas encontrou ouriços como treinou a equipe na busca da espécie. Com seu Toninho, a equipe do projeto percorreu mais de 12.000 km entre os estados do Sergipe e norte do Rio de Janeiro, conduzindo 325 entrevistas com moradores locais e realizando mais de 200 horas de busca ativa em fragmentos para estabelecer a distribuição geográfica atual do ouriço preto. E m fragmentos florestais do Espírito Santo e sul da Bahia, 12 indivíduos foram capturados e monitorados por mais de 700 horas, o que rendeu informações inéditas acerca da área de vida, dieta, período de atividade e comportamento. Os hábitats mais utilizados e as espécies vegetais mais consumidas pela espécie foram, pela primeira vez, sistematicamente registrados. Estudos genéticos revelaram uma estruturação das populações ao longo da sua área de distribuição, assim como o grau de variabilidade genética dentro e entre as populações remanescentes. A partir destes dados científicos inéditos a equipe de cientistas entendeu que o ouriço-preto deveria ser mantido na atual categoria de Vulnerável à Extinção, corroborando a necessidade de se elaborar um plano de ação para tentar reverter este processo e conservar a espécie. O Plano de Ação para Conservação do Ouriço-preto aqui apresentado é, portanto, o resultado prático desse esforço conjunto de pesquisa e da proposição de ações por pessoas e instituições que, de alguma forma, representam atores relevantes para viabilizar a conservação desta espécie da Mata Atlântica. O trabalho segue o exemplo dos demais Planos de Ação propostos para outras espécies ameaçadas e mostra a importância da mobilização da comunidade científica visando direcionar suas pesquisas para obter dados biológicos que preencham lacunas de informações capazes de embasar ações práticas de conservação. Eu e todas as pessoas e instituições que participaram das várias etapas da elaboração do PAN esperamos que as ações aqui propostas sejam efetivamente colocadas em prática. Deborah Faria Universidade Estadual de Santa Cruz –UESC |