INTRODUÇÃO
As atividades antrópicas, como a
queima de combustíveis fósseis, as
queimadas e o desmatamento de
florestas, têm alterado o clima em
sua variação natural. Segundo o
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (no inglês
International Panel on Climate Change, ou IPCC), as temperaturas
médias globais vêm aumentando desde a década de 70, e esse
aquecimento deve continuar até o final do século.
As projeções da mudança do clima incluem alterações nos padrões
de vento, na precipitação e nas correntes oceânicas (Bernstein et
al., 2007; Stocker et al., 2013). Por consequência, há também um
aumento do nível dos oceanos e do crescimento e da formação
de desertos. O aquecimento anormal das águas superficiais do
oceano, combinado com as mudanças nos padrões de vento e nos
regimes de chuva, provavelmente, tornarão os eventos climáticos
extremos (ciclones, furacões e tufões) ainda mais destrutivos, como
os observados na temporada de furacões no Oceano Atlântico,
em 2017: foram sete; deles, pelo menos dois de categoria cinco – a
mais elevada, cuja velocidade dos ventos é superior a 250 km/h.
Outro exemplo notório desse fenômeno é o aumento da frequência das ondas de calor em regiões com temperatura tradicionalmente
amena, como as vistas na Europa em agosto de 2017, período no
qual as temperaturas passaram dos 40°C.
Diante disso, a mudança do clima deve se tornar a maior ameaça,
deste século, à biodiversidade (Brook et al., 2008) e muitos de seus
impactos já podem ser observados nos sistemas biológicos (e.g.
Pounds et al., 1999). É muito provável que a mudança do clima
afetará o padrão de distribuição das espécies (Garcia et al., 2014),
além dos padrões mundiais de distribuição dos bolsões de fome
e doenças (Pecl et al., 2017). À medida que a fauna e a flora não
conseguem acompanhar as novas temperaturas com adaptação ou
aclimatação, ou se deslocar para locais com o clima adequado, a
extinção poderá ser muito mais rápida, quando comparada à que
ocorre durante os ciclos glaciais (Barnosky et al., 2011). A mudança
do clima tem implicações profundas nos sistemas naturais e vários
estudos têm predito seus possíveis efeitos em diferentes espécies e
habitat em todo o mundo (e.g. Pacifici et al., 2015).
As consequências relacionam-se, principalmente, à diminuição da
aptidão da espécie, expressa em diferentes níveis de organização
biológica, cujos efeitos variam entre indivíduos, populações e
comunidades (Bellard et al., 2012). Tais ameaças são capazes de
diminuir a diversidade genética das populações (e.g. Colevatti
et al., 2011) devido às seleções microevolutivas, que, somadas
às alterações de diferentes populações e espécies, podem afetar
o funcionamento e a resiliência dos ecossistemas (Botkin et al.,
2007). Além disso, há evidências de que alguns clados1
sejam
mais sensíveis ao impacto humano do que outros (Purvis, 2008;
Loyola et al., 2014), acenando para mudanças desproporcionais da
história evolutiva da Terra (Thuiller et al., 2011). Com a mudança
do clima em curso, as espécies deverão ser impactadas de diferentes
maneiras, como no caso da mudança na distribuição geográfica (e.g.
Zhang et al., 2017) e na abundância (e.g. Mair et al., 2014), além das
alterações do ciclo de vida (Parmesan & Yohe 2003).
O padrão geral prevê que muitas espécies serão ameaçadas de
extinção e que seus habitat, possivelmente, vão encolher. Ademais,
é esperado que as espécies se desloquem para latitudes e altitudes
mais elevadas (Chen et al., 2009) ou, ainda, as espécies marinhas
migrem para oceanos mais profundos (Dulvy et al., 2008).
Contudo, sua resposta também dependerá de fatores como a fisiologia, o comportamento, a ecologia e a evolução dos organismos
que determinam a capacidade de dispersão e de adaptação às novas
condições climáticas (Bellard et al., 2012). Ou seja, as respostas são
espécie-específicas. A perda e a fragmentação de habitat impõem
obstáculos ao deslocamento das espécies para locais de clima mais
adequado e a combinação de diferentes ameaças pode alterar a
magnitude e o padrão espacial da perda da biodiversidade (Faleiro
et al., 2013; Gouveia et al., 2016).
Não há dúvidas sobre a necessidade de identificar as espécies
mais suscetíveis e as principais respostas da biodiversidade aos
impactos das alterações em curso. Nesse sentido, a conservação
dos ecossistemas naturais terrestres, sejam os de água doce ou os
marinhos, e o restabelecimento daqueles que estão degradados
são importantes, pois desempenham um papel fundamental
no ciclo global do carbono, na resiliência de ecossistemas e na
adaptação à mudança do clima. A vulnerabilidade das espécies de
plantas, animais e ecossistemas terrestres vem sendo globalmente
documentada (Pacifici et al., 2015; Zhang et al., 2017), porém,
os efeitos na biodiversidade de ambientes costeiros e marinhos
ainda são negligenciados (Dulvy et al., 2008). Embora haja um
crescente interesse acerca dos impactos da mudança do clima
na biodiversidade (Root et al., 2003), os estudos a respeito da
biodiversidade brasileira ainda são escassos (Vale et al., 2009).
Ao considerar que o conhecimento dos efeitos da mudança
do clima na biodiversidade e em serviços ecossistêmicos do
Brasil pode fornecer subsídios à elaboração de estratégias de
mitigação e adaptação, foi realizada a revisão da literatura sobre
o assunto. Além de fornecer um panorama geral sobre o assunto,
tal levantamento é importante na identificação de padrões
e tendências, assim como no preenchimento de lacunas do
conhecimento que necessitam de maior atenção da comunidade
científica.
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