UNIDADE III - PRIMEIROS SOCORROS EM AVES DURANTE TRABALHOS DE CAMPO

2. Principais acidentes em aves nas campanhas de captura e como proceder


Segundo Recher et al. (1985), aproximadamente 68% dos acidentes e mortes são ocasionadas em redes de neblina e 32% na contenção e processamento, especialmente por predação, retirada do espécime da rede, traumatismo e força aplicada de maneira excessiva.  

A predação das aves ainda na rede de neblina, é a primeira causa de morte ou lesão dos animais, geradas principalmente por rapinantes, roedores, gatos domésticos e algumas vezes formigas. Esta situação pode ocorrer, independentemente de uma equipe bem capacitada, porém, nestes casos, o ideal é reduzir o intervalo entre as checagens da rede, em áreas com um grande número de predadores.  

Em áreas degradadas ou antropizadas, geralmente existem animais domésticos que podem ter acesso aos animais emalhados na rede. Já em áreas abertas, a predação pode ser maior por outras aves, como rapinantes.  

Em situações de predação, a maioria das aves é encontrada já sem vida na rede ou em estado irrecuperável, sendo necessária a realização de eutanásia no animal. Quando o animal é encontrado com vida, apresentando lesões superficiais (cutâneas), deve-se realizar a limpeza da região com soro fisiológico, seguida de desinfecção com solução de clorexidine 10% e aplicação de pomada cicatrizante 

Deve-se tomar cuidado na aplicação de pomadas em aves, pois pode haver o emplastramento das penas e consequente dificuldade do animal voar no momento da liberação. Por isso, aplicar apenas a quantidade necessária para cobrir a lesão. Em seguida, para recuperação, o animal deve ser mantido em local calmo, escuro e ventilado, como uma caixa de papelão ou saco de manejo.  

No caso de lesões mais extensas atingindo a pele, o uso de colas cirúrgicas é indicado. Após a limpeza e desinfeção do local, aproximar ao máximo as bordas da lesão, e aplicar a cola cirúrgica. Em seguida, manter o animal em local calmo, escuro e ventilado, como uma caixa de papelão ou saco de manejo.  

No caso de sangramentos observados no animal emalhado, ou após a coleta de sangue, deve-se localizar o ponto exato do escape de sangue, e aplicar sobre ele o pó hemostático. O uso de gaze pode ajudar a limpeza e estancamento de sangue, e pode ser utilizado antes da aplicação do pó hemostático.


 

Pó hemostático, o que é isso?

O pó hemostático é composto por cloreto férrico hexahidratado, cloreto de alumínio hexahidratado e sulfeto de cobre pentahidratado. Pode ser encontrado em lojas de produtos para animais de companhia.


Sangramentos de origem oral ou nasal podem indicar traumas internos sérios e o animal deve ser deixado em observação até plena recuperação ou encaminhamento para local especializado.  Já os sangramentos nas penas em crescimento, especialmente nas rêmiges e retrizes, exigem a retirada da pena quebrada (inclusive o bulbo), com a ajuda de uma pinça, preferencialmente (mais detalhes ver Sousa; Serafini, 2020).  

O estrangulamento de membros pode ocorrer durante o emalhe da ave na rede ou no momento do anilhamento. No caso de a ave apresentar um dos membros estrangulados pela rede, deve-se desemalhar o animal com muito cuidado: observar se existem lesões cutâneas e proceder a limpeza e desinfecção do local, seguida da aplicação de pomada cicatrizante.  

No caso do estrangulamento dos membros inferiores por acidente durante o anilhamento, ou uso de anilha menor do que a indicada pelo táxon, deve-se efetuar a retirada da anilha o mais rápido possível, por meio do corte desta com alicate de ponta romba de tamanho apropriado (ver unidade 1 do módulo III). Por isso, é importante muita concentração durante o anilhamento. Após a retirada da anilha, limpar o membro afetado, e na presença de lesão, aplicar solução de clorexedine a 10%, seguida de pomada cicatrizante.

 

Anilhamento de pipira-preta (Tachyphonus rufus) 


Fonte: arquivo do CEMAVE 

  

É raro, mas pode ocorrer a ruptura de sacos aéreos devido ao traumatismo na rede e no saco de contenção. Nessa situação, você deverá observar bolsões de ar na região subcutânea. Neste caso, podemos realizar o esvaziamento destes bolsões com uma agulha 13 x 0,45, o que geralmente alivia o desconforto e permite que a ave voe sem restrições (Sousa; Serafini, 2020). Porém, caso os bolsões voltem a encher rapidamente, o animal deve ser encaminhado para um atendimento especializado.  

Fraturas e luxações também podem ser vistas nos traumas ocorridos na rede de emalhe ou durante o anilhamento. Nestes casos, as aves devem ser mantidas em local calmo, escuro e arejado, e encaminhadas para atendimento especializado.  

Tendo em vista o metabolismo mais alto nas aves, é comum elas sofrerem rapidamente de hipotermia, hipertermia ou desidratação. Em dias muito quentes ou frios, a revisão da rede deve ser mais frequente e o processamento das aves mais rápido. Os sacos de manejo nunca devem ser deixados ao sol ou locais com vento excessivo ou frio intenso. 

Aves muito dispneicas (respirando com o bico aberto) devem ser mantidas em local escuro, calmo e ventilado até a plena recuperação. 

Aves hipotérmicas ou molhadas devem ser mantidas em local aquecido, calmo e escuro até a plena recuperação. 

As aves são bastante sensíveis a estresse e choque decorrente da contenção, seja na rede ou durante o manejo, que podem levar o animal a óbito. O indivíduo que começa a ficar letárgico, dispneico, com as penas arrepiadas, o pescoço amolecido e fecha os olhos, encontra-se possivelmente em estado de choque. 

Nessas situações, o ideal é colocar o animal em local calmo, escuro e ventilado o mais rápido possível, até a completa recuperação, quando deve ser preferencialmente liberado na natureza, sem nova contenção. 

A miopatia de captura é uma síndrome gerada pelo intenso esforço físico durante a captura, contenção ou transporte por longo período, que geralmente leva à dor, rigidez locomotora, oligúria (diminuição do volume de urina) e depressão seguida de morte. O quadro é decorrente da lesão à musculatura esquelética que, por sua vez, leva a distúrbios cardíacos e renais.  

Os fatores que contribuem à miopatia de captura estão relacionados ao longo tempo de manuseio do animal, estímulos visuais e auditivos intensos, sensibilidade inerente à espécie, temperatura e umidade relativa do ar altas. Os sinais mais comuns são a ave ofegante, respirando de bico aberto, hipertermia, fraqueza, tremores nos membros pélvicos, dificuldade de locomoção e depressão (Sousa; Serafini, 2020).  

Nestes casos, o ideal também é colocar o animal em local calmo, escuro e ventilado o mais rápido possível, até a completa recuperação, quando deve ser preferencialmente liberado na natureza, sem nova contenção. A aplicação de água nas pernas auxilia a recuperar aves com hipertermia, hiperextensão ou câimbras.  

É importante ressaltar que aves com miopatia de captura podem morrer entre algumas horas e vários dias após a contenção, de modo que a ausência de sinais clínicos à liberação não é um indicativo seguro de que a ave não esteja desenvolvendo esse processo (Sousa; Serafini, 2020).   

Situações como perda de sangue excessiva, hipotermia, hipertermia, estresse, miopatia da captura e choque térmico, podem facilmente causar o óbito da ave. Portanto, uma equipe bem treinada e integrada é essencial nos trabalhos de campo, reduzindo consideravelmente a perda de indivíduos.  

No caso de animais que apresentam traumas irrecuperáveis, lesões muito intensas, ou ainda na impossibilidade de encaminhar animais fraturados ou visivelmente comprometidos para locais especializados, a eutanásia deve ser realizada.