UNIIDADE IV - BIOSSEGURANÇA
Site: | AVA ICMBio-MMA |
Curso: | Curso Básico de Anilhamento de Aves Silvestres | 2024 |
Livro: | UNIIDADE IV - BIOSSEGURANÇA |
Impresso por: | Usuário visitante |
Data: | quinta, 21 Nov 2024, 10:13 |
1. Começando nossa conversa...
Olá Usuário visitante ,
Você que já chegou até aqui, aprendeu neste módulo sobre as técnicas de captura e contenção das aves! Agora, vamos aprender sobre os cuidados que devemos tomar quando estivermos no campo, a fim de prezarmos pela segurança das aves e da nossa equipe de trabalho.
As pessoas e os animais compartilham muitos microrganismos, e 80% dos agentes patogênicos que infectam animais são multi-hospedeiros; ou seja, podem infectar diversas espécies, incluindo os humanos (OMS, 2020).
Você sabia que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2020), existem mais de 200 zoonoses conhecidas no mundo, e 60% das doenças infecciosas em humanos têm origem em animais? Pois é, a cada cinco novas doenças que surgem em humanos, anualmente, três delas são de origem animal.
As aves podem ser portadoras de diversos agentes etiológicos, incluindo vírus, bactérias, protozoários, fungos, endo e ectoparasitas, sem apresentarem nenhum sinal clínico ou alteração no comportamento usual, sendo chamados de portadores sãos. Muitos destes agentes podem ser riscos biológicos para os seres humanos.
Diversos são os agentes etiológicos com potencial zoonótico já conhecido, que podem acometer as aves. A transmissão de determinado agente de uma ave para o homem, pode ser de maneira direta ou indireta.
Pela via direta, precisa existir contato físico entre a fonte de infecção e o indivíduo susceptível. É a forma mais frequente em agentes pouco resistentes no ambiente.
Principais agentes etiológicos com potencial zoonótico de aves silvestres.
Doença | Sintomatologia em aves4 | Sintomatologia em humanos4 | ||
Clamidiose | Chlamydia psittaci | Via aerógena2 e digestiva3 | Sintomas respiratórios e digestórios | Sintomas respiratórios |
Salmonelose | Salmonella enterica | Sintomas digestórios | Sintomas digestórios | |
Tuberculose | Mycobacterium spp. | Via aerógena e digestiva | Sintomas respiratórios, digestórios e nódulos subcutâneos | Sintomas sistêmicos - varia conforme a porta de entrada |
Listeriose | Listeria monocytogenes | Via aerógena e digestiva | Sintomas sistêmicos e neurológicos | Sintomas sistêmicos e neurológicos |
Aspergilose | Aspergillus fumigatus | Via aerógena | Sintomas respiratórios | Sintomas respiratórios |
Histoplasmose | Histoplasma capsulatum | Via aerógena | Sintomas respiratórios | Sintomas respiratórios e neurológicos |
Criptococcose | Cryptococcus neoformans | Via aerógena | Sintomas respiratórios | Sintomas respiratórios e neurológicos |
Febre do Nilo Ocidental | Flavivírus | Picada do mosquito contaminado (Culex spp.) | Sintomas sistêmicos e neurológicos | Sintomas sistêmicos |
Colibacilose | Escherichia coli | Sintomas digestórios | Sintomas digestórios | |
Gripe aviária | Influenza A(H5N1) | Via aerógena | Sintomas respiratórios, digestórios e neurológicos | Sintomas respiratórios e sistêmicos |
1Via de Transmissão: é o elemento vivo ou inanimado que leva o agente etiológico até um novo hospedeiro susceptível. 2Via aerógena: o hospedeiro susceptível se infecta através da inalação do agente etiológico. 3Via digestiva: o hospedeiro susceptível se infecta através da ingestão do agente etiológico. 4Sintomatologia em aves e em humanos: representa os principais sintomas observados, porém não excluí outros sintomas menos frequentes. |
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Fonte: dos autores
Portanto, pessoas e equipamentos de campo podem ser os carreadores de um agente etiológico de uma ave para outra, ou de um sítio de agregação de aves para outro. Por essas razões, é tão importante seguir criteriosamente as medidas de biossegurança quando da manipulação de aves silvestres.
Quer
conhecer um pouco mais sobre zoonoses de origem aviária?
Acesse os links:
Manual de Vigilância, Prevenção e Controle de Zoonoses – Ministério da Saúde;
Wildlife Health – World Organisation for Animal Health;
Doenças Emergentes e Reemergentes no Contexto da Saúde Pública;
A Review of Zoonotic Disease Threats to Pet Owners;
2. Importância das medidas de Biossegurança
As medidas de biossegurança visam alcançar um conjunto de ações destinadas a prevenir, controlar, reduzir ou eliminar os fatores de risco inerentes às atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e vegetal, o meio ambiente e a qualidade do trabalho realizado (MS, 2010).
Durante a manipulação de um indivíduo no campo, é muito comum o animal liberar fezes, regurgito e outras secreções, que podem ser fontes de infecção para outras aves ou até mesmo para as pessoas. Os equipamentos de campo também podem ser contaminados e servirem de fômites contaminados para outros animais, pessoas ou locais.
A boca, nariz, olhos e feridas na pele são as principais portas de entrada dos agentes etiológicos no ser humano durante a manipulação de aves infectadas ou contato com fômites contaminados.
Por este motivo, é importante você ter em mente que os procedimentos de biossegurança devem ser incorporados à rotina de anilhamento de aves, mesmo na ausência de relatos de doenças ou surtos em aves no local de captura dos animais.
O pesquisador nunca deve ir para campo com os braços, pernas ou pés descobertos, pois além dos riscos de contato com a secreções e fômites contaminados, pode haver o risco de injúria físicas decorrentes do contato com o bico e unha das aves, além dos riscos comuns inerentes ao trabalho de compo como acidentes com animais peçonhentos, lesões por contato com espinhos, etc.
Os equipamentos de proteção individual (EPIs) têm como objetivo primário proteger a equipe dos riscos inerentes ao manuseio das aves. Veremos mais no próximo item sobre eles.
Para que estas medidas sejam efetivas, é essencial garantir a disponibilidade destes itens em quantidade, tamanho e estado de preservação adequados, além de assegurar a utilização correta destes equipamentos.
O que pesquisar antes da expedição
Na preparação de uma expedição de campo, é importante pesquisar a respeito do local e checar se existe histórico de epizootias de aves, surtos ou focos de doenças registrados. Estas informações podem ser obtidas nas secretarias de saúde, de agricultura e de meio ambiente da região, ou por meio de boletins epidemiológicos locais, empresas de assistência agropecuária e ainda referências bibliográficas.
Tal informação é necessária para determinar os riscos e nível de biossegurança necessário. Como exemplo, temos a influenza aviária de alta patogenicidade subtipo A(H5N1), também conhecida como gripe aviária, que vem acometendo muitas aves silvestres, especialmente as aquáticas migratórias. No caso de regiões onde já foi ou vem sendo detectado o vírus, você deve aumentar os cuidados no campo, por meio da utilização de EPIs que conferem maior proteção e uma desinfecção efetiva de todo material utilizado.
Fique atento, pois as espécies alvo do trabalho de campo, também podem ajudar a conhecer os principais agentes etiológicos que serão encontrados, pois existem espécies bem mais susceptíveis a determinados agentes do que outras.
Mas vale reforçar que, independentemente de informações sobre a condição sanitária do local, medidas de biossegurança e o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) são essenciais para o trabalho no campo com aves.
No próximo tópico vamos conhecer alguns materiais e procedimentos importantes para manter a sua segurança em campo e a das aves também. Vamos lá?
3. Equipamentos de Proteção Individual
Os EPIs básicos para qualquer trabalho de campo são luvas de látex descartáveis, máscaras de proteção facial, óculos de proteção e, altamente recomendável, avental e botas de borracha. Veja a sequência abaixo:
Material extra:
- sacos tipo Ziplock com vedação para guardar itens pessoais pequenos (celular, chave de carro, relógio etc.);
- borrifador com álcool 70%;
- desinfetante;
- sacos de lixo infectante e caixa coletora de material perfurocortante em situações que há colheita de material biológico;
- protetor solar;
- boné ou chapéu;
- perneiras (dependendo do local da pesquisa);
- plástico para forrar a mesa de trabalho.
Procedimentos de Biossegurança em campo
Todos sabemos, mas não custa lembrar que lavar as mãos antes e depois de qualquer operação pode reduzir consideravelmente contaminações pois ao manipular qualquer animal, o risco de disseminação de agentes etiológicos, assim como de infecção do pesquisador.
O uso de álcool gel também colabora com essa redução. Os braços devem estar cobertos, mas no caso de contato com o animal ou material biológico, também devem ser lavados. A limpeza frequente do rosto também é importante para remover possíveis respingos.
As roupas utilizadas abaixo do EPI devem ser trocadas diariamente e não devem ser reutilizadas antes de higienizadas.
Nunca consuma alimentos, bebidas ou fume em áreas utilizadas para o manejo das aves ou em sua proximidade.
Os trabalhos de campo devem sempre ser bem planejados, considerando a quantidade de EPI necessários para todos os dias e participantes da expedição.
A mesa de anilhamento deve estar sempre limpa e bem organizada, contendo apenas o material que será utilizado. Quando o material da mesa não for apropriado para constante limpeza e desinfecção, deve-se providenciar uma cobertura de plástico grosso, visando a limpeza frequente com álcool 70%.
Na imagem abaixo, o primeiro plano mostra um exemplar de chora-chuva-preto (Monasa nigrifrons) após anilhamento. Em segundo plano, é possível observar a mesa de campo forrada com plástico preto grosso para facilitar a higienização.
Fonte: arquivo CEMAVE
Cada pessoa da equipe deve ter uma função bem definida, elegendo, quando possível, uma pessoa exclusiva para realizar as anotações. Isto pode evitar a contaminação do material que será utilizado em outros ambientes. Entretanto, mesmo com este cuidado, lápis, canetas e pranchetas, devem ser higienizadas com álcool 70% ao final de cada dia de campo.
Ao final de cada dia de trabalho, o EPI descartável deve ser acondicionado em sacos plásticos adequados para material infectante, e no caso de colheita de amostras biológicas por meio de material perfurocortante, acondicioná-los caixa coletora de apropriada, tipo Descarpack®. Todo este material deve ser levado do campo, e descartado em local específico de resíduo hospitalar.
Os equipamentos de campo permanente tais como balança, paquímetro, alicates e réguas, devem ser aspergidos com álcool 70% ou solução de clorexidina 0,5% ao final de cada sessão de manuseio das aves. Ao fim de cada dia de campo, este material deve ser lavado com água, escova e sabão para a retirada das sujidades, seguido de imersão ou pulverização com água sanitária (hipoclorito de sódio 10%) ou álcool 70%, deixando agir por no mínimo 10 minutos.
Os sacos de contenção de pano, entre as sessões, devem ser invertidos (virados do avesso), pendurados no sol preferencialmente, e aspergido com álcool 70%. Recomenda-se que sejam lavados diariamente, ao fim do trabalho de campo. Ao final da expedição, redes, cordões e sacos devem ser lavados com sabão ou desinfetante, sendo os mesmos deixados de molho por cerca de 20 minutos antes de enxaguar.
Para os equipamentos eletrônicos, é recomendado o uso de álcool isopropílico. Sugere-se sempre deixar a mão um borrifador com álcool 70%.
Entre os desinfetantes mais recomendados para os trabalhos de campo, podem ser citados os que tenham como princípio ativo o cloro, a amônia quaternária e a clorexidina (ou clorexidine).
No caso de trabalhos realizados em áreas de concentração de aves migratórias, especialmente que já foram acometidos por epizootias anteriores, como pela influenza aviária, você deve fazer a desinfecção dos equipamentos de campo durante a desmobilização da campanha, com peroximonosulfato de potássio associado ao cloreto de sódio, quaternário de amônio e glutaraldeído, e cloreto de benzalcônio e glutaraldeído, nas diluições indicadas pelo fabricante.
Conforme dito anteriormente, além dos riscos, o EPI adequado também previne riscos físicos como bicadas e unhadas de algumas espécies de aves. Portanto, conforme a espécie que for alvo da pesquisa, equipamentos complementares são necessários.
Especialmente os psitacídeos e os rapinantes, demandam cuidados complementares durante a sua contenção, frente ao bico e garras potentes. A utilização de luvas de raspa de couro nestes casos, é essencial, e previne acidentes. Estas luvas também devem ser utilizadas para a retirada de morcegos que possam cair acidentalmente na rede de neblina. Lembra que a conheceu na unidade II deste módulo?
Fonte: Sites de comércio na internet
Piciformes, Ciconiiformes e algumas espécies de Passeriformes, como bicudos, azulões, trincas-ferro, gralhas, pitiguaris, e diversas espécies de traupídeos, também requerem atenção especial. O bico dos Piciformes, além do serrilhado bem desenvolvido, podem exercer forte pressão, causando injúrias nas mãos da pessoa que está contendo o animal. Os bicudos, trinca-ferros e azulões, apesar do tamanho, apresentam o bico bastante potente, também gerando lesões nas mãos do anilhador. Já os ciconiformes, geralmente com o bico bastante pontiagudo, podem determinar lesões nos olhos do pesquisador, por serem muitos curiosos.
Brincos, colares, anéis e relógios devem ser evitados nos trabalhos de campo, pois além de serem mais um material que pode ser contaminado, muitas vezes atraem a atenção das aves podendo gerar acidentes.
Cuidados da equipe
Antes do início de uma campanha, é muito importante checar se a equipe inteira está com a carteira de vacina em dia, especialmente contemplando as vacinas antitetânica, contra febre amarela, contra influenza e antirrábica. Ela pode ser obtida pelo Conecte SUS:
Conecte SUS Cidadão
Em caso de dúvida, deve-se procurar um posto de saúde ou a unidade básica de saúde mais próxima.
A vacina antitetânica é importante, pois não é incomum alguém da equipe machucar-se com algum material perfurocortante, como pregos, agulhas, tesouras e próprio alicate de anilhamento. A duração desta vacina é de 10 anos.
A vacina contra febre amarela em adultos, é dose única, tendo validade para toda a vida. Considerando que muitas vezes os trabalhos de anilhamento são realizados em áreas endêmicas de febre amarela, é importante estar imunizado.
Embora a vacina contra a influenza sazonal não proteja contra a gripe aviária - influenza aviária A (H5N1) - ela contribui para reduzir o risco de coinfecção e recombinação genômica dos vírus aviários e humanos, que podem resultar em novas cepas com potencial pandêmico.
Apesar de não haver relatos de raiva em aves, comumente são capturados acidentalmente morcegos nas redes de neblina. Os pesquisadores que estão constantemente efetuando trabalhos de campo, devem procurar uma unidade básica de saúde e solicitar a profilaxia antirrábica pré-exposição. Esta é uma medida de prevenção indicada para pessoas com risco de exposição constante ao vírus da raiva.
No caso de acidentes envolvendo a manipulação de morcegos (mordeduras, lambeduras, etc.), uma unidade básica de saúde deve ser procurada o mais rapidamente possível, a fim de iniciar terapia pós-exposição.
Observe que pesquisadores doentes ou com deficiência imunológica não devem ir à campo.
Quer se aprofundar mais sobre as boas práticas de biossegurança?
Acesse os links:
- Biosafety Resources & Tools – CDC;
Atenção: o capítulo 10 do Manual de Anilhamento de Aves Silvestres (Sousa: Serafini, 2020) apresenta informações complementares e dicas sobre bissegurança em trabalhos de campo.
Aprendemos nesta unidade sobre biossegurança, materiais e procedimentos necessários para manter a higiene e saúde durante o trabalho de campo.
- Interagir na enquete do Mentimeter.
- Não guarde suas dúvidas. Se tiver alguma, participe do Fórum de Dúvidas.
BRASIL. 2010. Ministério da Saúde. Biossegurança em saúde: prioridades e estratégias de ação / Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2010. 242 p. : il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde).
OMS (WHO). 2020. Zoonosis. Disponível em < https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/zoonoses>. Acessado em 06/06/2024.
SOUSA, E. B. A. de.; SERAFINI, P. P. Manual de Anilhamento de Aves Silvestres / Organizadores: Antônio Emanuel Barreto Alves de Sousa e Patrícia Pereira Serafini. 3ª ed. rev. e ampl. Brasília: ICMBio, Cemave, 2020.